Viktor Emil Frankl (1905-1997) foi um médico psiquiatra austríaco, fundador da escola de psicanálise conhecida como Logoterapia, um método que aborda o existencial e o espiritual do ser humano nas análises. Entre 1942 a 1945, Frankl, recém casado com Tilly Grosser, sofre perseguição dos nazistas, tendo sido preso no gueto de Theresienstadt, e nos campos de concentração de Auschwitz, Kaufering e Türkheim. Sua esposa morreu com 24 anos no campo de Bergen-Belsen em 1944, fato que Frankl somente soube depois de sua libertação pelas tropas estadunidenses.
Escreveu um maravilhoso livro, que praticamente inicia a escola logoterápica, chamado "Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração", onde relata os horrores e o faz uma análise existencial dos acontecimentos do local. Escolhi um dos mais belos trechos que li desta obra magnífica, onde ele relata que o amor pode salvar o ser humano mesmo nos momentos mais terríveis de sua vida.
Viktor E. Frankl na década de 90 |
Enquanto
avançamos aos tropeços, quilômetros a fio, vadeando pela neve ou resvalando no
gelo, constantemente nos apoiamos um no outro, erguendo-se e arrastando-nos
mutuamente. Nenhum de nós pronuncia uma palavra mais, mas sabemos neste momento
que cada um só pensa em sua mulher. Vez por outra olho para o céu onde vão
empalidecendo as estrelas, ou para aquela região do horizonte em que assoma a
alvorada por detrás de um lúgubre grupo de nuvens. Mas agora meu espírito está
tomado daquela figura à qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva,
que eu jamais conhecera antes na vida normal. Converso com minha esposa. Ouço-a
responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e a animar ao
mesmo tempo e – tanto faz se é real ou não a sua presença – seu olhar agora
brilha com mais intensidade que o sol que está nascendo. Um pensamento me
sacode. É a primeira vez na vida que experimento a verdade daquilo que tantos pensadores
ressaltaram como a quintessência da sabedoria, por tantos poetas cantada: a
verdade de que o amor é, de certa forma, o bem último e supremo que pode ser
alcançado pela existência humana. Compreendo agora o sentido das coisas últimas
e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia – e em fé humana: a
redenção pelo amor e no amor! Passo a compreender que a pessoa, mesmo que nada
mais lhe reste neste mundo, pode tornar-se bem-aventurada – ainda que somente
por alguns momentos – entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada. Na
pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não
pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua
conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de
cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação
amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. Pela
primeira vez na vida entendo o que quer dizer: Os anjos são bem-aventurados na
perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita...
À minha
frente um companheiro cai por terra, e os que vão atrás dele também caem. Num
instante, o guarda está lá e usa seu chicote sobre eles. Por alguns segundos
interrompe minha vida contemplativa. Mas num abrir e fechar de olhos eleva-se
novamente minha alma, salva-se mais uma vez do aquém, da existência
prisioneira, para um além que retoma mais uma vez o diálogo com o ente querido:
Eu pergunto – ela responde; ela pergunta – eu respondo.
“Alto!”
Chegamos ao local da obra. “Cada qual busque sua ferramenta! Cada um pegue uma
picareta e uma pá!” E todos se precipitam para dentro do galpão completamente
às escuras para arrebanhar uma pá jeitosa ou uma picareta mais firme. “Como é,
não vão se apressar, seus cachorros imundos?” Dali a pouco estamos no valo,
cada um em seu lugar da véspera. A picareta estilhaça o chão congelado,
soltando até fagulhas. Nem mesmo os cérebros ainda degelaram, os companheiros
continuam calados. Meu espírito ainda se apega à imagem da pessoa amada.
Continuo falando com ela, e ela continua falando comigo. De repente me dou
conta: nem sei se minha esposa ainda vive! Naquele momento fico sabendo que o
amor pouco tem a ver com a existência física de uma pessoa. Ele está ligado a
tal ponto à essência espiritual da pessoa amada, a seu “ser assim” (nas
palavras dos filósofos) que a sua “presença” e seu “estar-aqui-comigo” podem
ser reais sem sua existência física em si e independente de seu estar com vida.
Eu não sabia, nem poderia ou precisaria saber, se a pessoa amada estava viva.
Durante todo o período do campo de concentração não se podia escrever nem
receber cartas. Mas isto naquele momento de certa forma não tinha importância.
As circunstâncias externas não conseguiam mais interferir do meu amor, na minha
lembrança e na contemplação amorosa da imagem espiritual da pessoa amada. Se
naquela ocasião tivesse sabido: minha esposa está morta – acho que este
conhecimento não teria perturbado meu enlevo interior naquela contemplação
amorosa. O diálogo espiritual teria sido igualmente intenso e gratificante.
Naquele momento me apercebo da verdade: “Põe-me como um selo sobre o teu
coração... por que o amor é forte como a morte.” (Cantares 8.6)
FRANKL, Vikor E. Em
busca de sentido. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, pp. 43-44.
Excelente postagem! Viktor Frankl foi um dos maiores autores da psicologia! Deixa no tapete as loucuras de Freud!!
ResponderExcluirMuito bom artigo. Concordo plenamente e sou prova. Sofro muito por alguem que me relacionei durante 4 anos e depois, descubro que ele tinha outra.
ResponderExcluirEle me enganou e enganou minha familia. Nós apostávamos nele e fizemos tudo para ele se estabilizar profissionalmente e financeiramente.
Eu acreditei nele. Projetei minha vida com ele.
E agora?
Só Deus para me salvar...pois não devia ter doado minha vida, como fiz.
Que o Senhor me ajude!
Amei o texto. Bem didatico.
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