quinta-feira, 5 de março de 2015

Cartas do deserto


   “Quando cheguei a El Abiod Sid Seik para o noviciado, meu mestre dissera-me com toda a calma de um homem que já passara vinte anos no deserto: ‘Il fautfaire une coupure, Charles.’1
        Compreendi o significado daquela frase e decidi realizar o corte, ainda que doloroso.
       Conservara na mala um caderno espesso no qual estavam anotados os endereços dos meus velhos amigos: haviam milhares.
           Em sua bondade, o Senhor jamais me deixara faltar a alegria da amizade e a barca de minha vida navegava através de um rio de amor.
         Se no momento de minha partida para a África levava comigo um pesar oculto, era certamente o de não poder falar com cada um deles, explicar-lhes a razão do abandono, dizer-lhes que estava obedecendo a um chamado claro de Deus e que, embora de outra trincheira, prosseguiria a militar com eles no campo do apostolado.
      Mas era preciso levar a termo a famosa ‘coupure’, e fi-lo corajosamente e com grande confiança em Deus.

Tomei o caderno, que era o meu último liame com o passado, e por ocasião de um retiro queimei-o atrás de uma duna.”




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1 Traduz-se do francês: "Precisamos fazer um corte, Charles."

Referência Bibliográfica

CARRETO, Carlos. Cartas do Deserto. São Paulo, Paulinas, 1974, pp. 9-10.


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